
A morte de Fernando da Piedade Dias dos Santos, o “Nandó”, não encerra apenas uma vida; fecha, de forma abrupta, um dos capítulos mais densos da história política recente de Angola — um livro que ficou por editar, cheio de páginas escritas com poder, silêncio, influência e controvérsia.
O antigo Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, morreu esta quinta-feira, dia 18, aos 70 anos de idade, em Luanda. A notícia caiu como um choque no meio político e institucional do país, não apenas pela figura que representava, mas pelo peso simbólico que carregava enquanto um dos homens mais influentes do regime pós-independência.
Segundo informações divulgadas pela Clínica Girassol, onde deu entrada, foi solicitado resgate após ter sido encontrado em casa, na sala de sauna, desacordado no chão. O comunicado hospitalar esclarece que “não foi possível aferir o tempo de permanência na sauna”, um detalhe que reforça o carácter súbito e enigmático do episódio.
Ainda de acordo com o registo clínico, a equipa médica encontrou o antigo número um do Parlamento sem sinais vitais, tendo sido iniciadas manobras de reanimação por se desconhecer o tempo de paragem cardiorrespiratória. As tentativas prolongaram-se por cerca de 40 minutos, sem sucesso, sendo o óbito declarado às 12h47.
Mas para além da descrição clínica e do facto consumado da morte, impõe-se a reflexão política. Fernando da Piedade Dias dos Santos foi mais do que um dirigente partidário ou um alto quadro do Estado. Foi um dos rostos mais duradouros do poder em Angola, protagonista de bastidores, mediador de equilíbrios internos e, durante anos, fiel intérprete da linha dominante do MPLA e do Estado angolano.
“Nandó” conhecia os corredores do poder como poucos. Presidiu à Assembleia Nacional em momentos decisivos, ocupou cargos estratégicos e foi, para muitos, um símbolo da estabilidade institucional; para outros, a personificação de um sistema fechado, pouco permeável à renovação e à crítica. Como toda figura central, despertou admiração e contestação na mesma medida.
A sua morte levanta inevitavelmente uma pergunta: quem escreverá a história completa deste homem? O livro que não foi editado é feito de decisões que moldaram o país, de silêncios que marcaram épocas e de escolhas políticas cujas consequências ainda se fazem sentir. Ficam lacunas, memórias fragmentadas e uma narrativa que, talvez, nunca seja totalmente revelada.
Num país onde a história recente ainda é escrita com cautela, a morte de Fernando da Piedade Dias dos Santos lembra que o tempo biológico não espera pela reconciliação com a verdade histórica. As pessoas partem, mas os sistemas permanecem — e com eles, a responsabilidade de revisitar o passado com coragem, honestidade e espírito crítico.
A morte levou o homem. O livro, esse, continua por escrever.
Jornalista Siona Júnior