
Quem abastece os caixas automáticos em Angola? A pergunta parece banal, mas revela uma cadeia de descuido e desrespeito que vai muito além das notas rasgadas, sujas e impregnadas de cheiro a combustível que tantos cidadãos recebem todos os dias. Cada levantamento tornou-se uma pequena loteria: ou o dinheiro sai em bom estado — raridade — ou o cliente sai com notas que mais parecem ter sido salvas de um incêndio.
O problema é antigo, mas a indignação cresce porque o dinheiro em circulação tornou-se símbolo do próprio estado do país: gasto, maltratado e sem valor de confiança. Em vez de inspirar segurança, as notas angolanas despertam desconfiança e vergonha. Quem nunca precisou devolver uma nota porque o comerciante recusou, alegando que estava rasgada ou com cheiro suspeito?
Os bancos garantem que fazem o seu papel e que o Banco Nacional de Angola (BNA) supervisiona a qualidade do dinheiro em circulação. Mas, na prática, as máquinas de ATM estão a vomitar notas que parecem ter passado por uma oficina de motorizadas. Há relatos de clientes que, ao levantar o salário, são recebidos por notas húmidas, manchadas e com odores de gasóleo e gasolina — sinais claros de armazenamento e transporte precários.
O transporte de valores é, em teoria, uma operação rigorosa, com normas de segurança e higiene bem definidas. Mas será mesmo assim? Muitos funcionários de bancos, em conversa reservada, admitem que o manuseamento do dinheiro é feito em condições longe das ideais. Sacos de notas são guardados em armazéns sem ventilação, transportados em veículos não apropriados e manuseados sem o mínimo cuidado. O resultado está nas mãos do cidadão comum.
Mais do que uma questão estética, trata-se de respeito pela moeda nacional. Um país que não cuida do seu dinheiro físico transmite a mensagem de que também não cuida da sua economia. A nota amassada é o reflexo de um sistema bancário que ainda não entendeu que confiança se constrói nos detalhes.
A culpa é coletiva: do banco que não exige melhor, da empresa que transporta o dinheiro sem cuidado, e das autoridades que fecham os olhos. Mas o prejuízo é sempre do cidadão, que paga taxas bancárias cada vez mais altas para receber notas que, em muitos casos, nem os próprios bancos aceitam de volta.
Talvez esteja na hora de se perguntar, com seriedade e transparência: quem coloca, afinal, o dinheiro nos ATMs? E, mais importante ainda: quem responde pela má qualidade do que sai de lá?
Enquanto essa resposta não vier, continuaremos a sair dos multicaixas com o mesmo sentimento de frustração — e com o cheiro de gasolina nas mãos a lembrar-nos que o problema não é apenas o dinheiro, mas tudo o que ele representa.
Jornalista Siona Júnior
 
			         
			                 
			        