
Quantos políticos, académicos e dirigentes desportivos têm processo na Procuradoria-Geral da República (PGR) no quadro do combate à corrupção em Angola? A pergunta ecoa nos bastidores do poder, nas universidades e nas federações desportivas, enquanto o discurso oficial sobre transparência e moralização do Estado se confronta com a realidade de dossiês que dormem em gavetas ou se arrastam sem desfecho.
Desde 2017, quando o Executivo anunciou o início de uma “nova era” de combate à corrupção, dezenas de figuras públicas foram detidas, constituídas arguidas ou investigadas por alegado envolvimento em esquemas de desvio de fundos públicos, tráfico de influências e enriquecimento ilícito. Mas, à medida que o tempo avança, cresce também a dúvida: quantos desses processos chegaram efetivamente a tribunal, e quantos permanecem num limbo jurídico que serve mais à conveniência política do que à justiça?
Fontes internas da própria PGR, sob anonimato, admitem que há mais de 80 processos em instrução preparatória envolvendo antigos ministros, governadores provinciais, reitores universitários e presidentes de federações desportivas. Contudo, menos de um terço chegou à fase de acusação formal. O motivo, segundo um jurista ouvido pelo jornal, é “a seletividade do combate à corrupção”, onde a prioridade recai sobre casos que produzem impacto político imediato.
Entre os nomes que circulam em silêncio estão dirigentes ligados ao desporto, acusados de desvio de verbas do orçamento das federações e de patrocínios internacionais. No meio académico, há processos que investigam a gestão irregular de fundos de pesquisa e bolsas de estudo. Mas quase todos esses casos raramente ultrapassam a fase de inquérito, sendo abafados por influências políticas e corporativas.
O sociólogo Matumona António, descreve o fenómeno como “um combate à corrupção com freios e contrapesos invisíveis”. Para ele, “a moralização do Estado perdeu o vigor inicial e transformou-se em instrumento de controlo político. Enquanto uns são julgados em tempo recorde, outros, com ligações ao poder, permanecem intocáveis”.
Na esfera política, o número de deputados e altos funcionários públicos sob investigação permanece um tabu. A PGR raramente divulga dados concretos, preferindo comunicados vagos sobre “diligências em curso”. A ausência de transparência alimenta suspeitas de que o combate à corrupção perdeu o caráter institucional e ganhou contornos de disputa interna pelo poder.
Enquanto isso, a sociedade civil e os meios de comunicação independentes continuam a exigir listas, relatórios e resultados. “O povo tem direito de saber quem está a ser investigado e porquê”, afirma a jurista Nsimba Kingombo, sublinhando que a opacidade só fortalece a impunidade e enfraquece a confiança nas instituições.
No final, a pergunta permanece sem resposta oficial: quantos políticos, académicos e dirigentes desportivos estão realmente sob processo na PGR? A resposta, ao que tudo indica, está guardada num arquivo onde o segredo e a conveniência política ainda falam mais alto que a justiça e a verdade.
Jornalista Siona Júnior