Segunda-feira, Dezembro 8, 2025

NEPOTISMO DECLARADO INIMIGO PÚBLICO N.º 1

Porque, sejamos honestos, o nepotismo não entrou ontem pela porta do Ministério do Interior.

Por: apostolado
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Há dias, o ministro do Interior, Manuel Homem, levantou-se inspirado, bebeu talvez um chá de coragem, daqueles que só se encontram “no capítulo 12” das promessas políticas, anunciou ao país que vai acabar com o nepotismo e os pedidos para ingresso na Polícia Nacional. Assim mesmo, com a convicção de quem promete parar o vento com as mãos ou mandar o calor do Cuando ir descansar um bocadinho.

 

A plateia aplaudiu. O povo sorriu. E eu, cá deste canto, fiquei a pensar: será que o nepotismo finalmente vai receber ordem de captura? Será que os “pedidos” — esses seres invisíveis, mas muito influentes — vão ser apresentados ao Ministério Público? Ou será que continuamos naquela velha tradição angolana de combater problemas com discursos sobre eles?

 

Porque, sejamos honestos, o nepotismo não entrou ontem pela porta do Ministério do Interior. Ele mora lá há anos, tem gabinete próprio, bebe café com alguns chefes e ainda estaciona no lugar reservado. O nepotismo é tão íntimo da casa que, se for expulso, provavelmente levará consigo alguns móveis, dois computadores e metade da esperança dos candidatos que nunca tiveram “padrinho”.

 

O mais bonito é que o ministro reconheceu o problema, e isso já é um feito. Reconhecimento é o primeiro passo da cura — dizem os terapeutas. O segundo passo seria agir. Mas… até agora, nada se ouviu sobre processos, investigações, responsabilizações ou, no mínimo, um puxão de orelha administrativo. Nada. Nem uma nota de esclarecimento. Nem uma circular interna. Silêncio administrativo, aquele mesmo que só é rápido quando é para indeferir pedido de cidadão comum.

 

E aqui começa a filosofia:

Se uma denúncia existe, mas ninguém a investiga, será que ela existiu mesmo?

É como aquela árvore que cai na floresta e ninguém ouve, mas que depois aparece serrada em casa de alguém com o selo “material de serviço”.

 

Não vamos esquecer que não é de hoje que surgem denúncias de práticas pouco divinas nos corredores de formação da Polícia Nacional. Já tivemos relatos de pedidos de gasosa, favores, e até episódios de solidariedade horizontal, aquela “proximidade carnal” que um ou outro responsável exige em troca de emprego.

A cereja no topo do bolo foi aquele áudio que circulou nas redes sociais, onde uma formanda denunciava tudo, com nomes, cargos e até local do crime moral. O país acabou dividido: uns chocados, outros a dizer “isso é só segunda-feira”.

E o que foi feito?

Nadinha.

A denúncia ficou ali, guardada no congelador das coisas que os autores preferem que a gente esqueça.

 

Agora, vem o próprio ministro, com toda a pompa, anunciar o que nós já sabíamos há anos:

— Existe nepotismo no ingresso da Polícia.

E nós, como bons cidadãos, ficamos à espera da parte importante:

— Então o que será feito aos implicados?

Mas essa parte não chegou. Talvez esteja em edição. Talvez venha na próxima temporada. Talvez seja segredo de Estado.

 

O mais curioso é que, se o ministro procurasse responsabilizar alguém, provavelmente teria de abrir uma fila tão grande quanto a candidatura para o Miss. Porque, quando o nepotismo reina, a árvore genealógica vira organigrama institucional: há primos que viram chefes, cunhados que viram instrutores, sobrinhos que viram especialistas em cinco dias, e afilhados que passam do zero a comandante só com a bênção de um telefonema.

 

Mas há uma esperança filosófica aqui:

ao reconhecer o problema, o ministro colocou-o oficialmente no mundo real, e isso já é meio caminho para o país deixar de fingir que estas coisas caem do céu. Agora só falta a parte difícil — a parte da coragem.

 

Enquanto isso, seguimos nós, cidadãos comuns, olhando para a notícia com um sorriso irónico, como quem diz:

“Sim, ministro, nós agradecemos. Agora falta só a segunda parte: fazer.”

 

Até lá, o nepotismo continua sentado na sua cadeira, abanar as pernas, convicto de que ainda tem mais uns anos de contrato.

 

E nós ficamos aqui, entre a esperança e a gargalhada, a lembrar que em Angola a realidade, às vezes, gosta de se disfarçar de comédia — mas uma comédia daquelas que fazem pensar. Porque rir é bom. Mas pensar é obrigatório.

 

Por: André Kivuandinga, jornalista e Cronista

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