A recente vaga de criminalidade armada em Luanda reacendeu um debate inquietante: há relação entre os inúmeros assaltos executados com precisão militar e a dispensa, pelo Ministério do Interior (MININT), de três mil jovens com formação técnico-militar? A hipótese circula em vários círculos sociais e políticos, mas carece de investigação profunda — e é exatamente isso que esta reportagem se propõe a fazer.
Dispensa inesperada de três mil recrutas
Segundo fontes internas e documentos analisados por esta equipa de reportagem, o MININT, sob a tutela do ministro Manuel Homem, determinou recentemente a dispensa de três mil jovens que frequentavam o segundo curso de formação básica.
Os jovens, muitos deles com treino em táctica de combate, técnicas de patrulhamento e manuseamento de armamento, foram orientados a abandonar o processo formativo, sob a justificação — transmitida durante reuniões internas — de que o Ministério estaria a “evitar colocar nas ruas indivíduos altamente preparados que pudessem representar risco para a sociedade caso não fossem absorvidos pela corporação”.
A decisão gerou desconforto entre familiares, especialistas de segurança e alguns oficiais no ativo, que questionam a falta de um plano de reintegração para recrutas já treinados.
Assaltos com características militares
Nos últimos dias, Luanda assistiu a uma escalada de assaltos à mão armada executados com um nível de coordenação acima do padrão habitual do crime urbano. Testemunhas relatam:
Movimentos sincronizados entre dois ou três assaltantes;
Uso de armas de fogo com precisão;
Retirada rápida em motociclos ou viaturas com rotas pré-definidas;
Linguagem operacional usada durante os ataques.
Especialistas em segurança consultados afirmam que alguns desses episódios “sugerem execução por indivíduos com treino”, embora reforcem que isso não prova qualquer envolvimento dos ex-recrutas dispensados.
Recrutamento da PNA: quem são os jovens dispensados
O processo de recrutamento da Polícia Nacional de Angola (PNA) exige que o candidato:
Seja cidadão angolano;
Tenha entre 18 e 35 anos;
Apresente altura mínima de 1,65 m para homens e 1,60 m para mulheres;
Possua, no mínimo, a 9.ª classe.
Ou seja, o grupo dispensado enquadra-se no perfil padrão de jovens que procuram ascender através da carreira policial. Muitos abandonaram empregos informais e investiram recursos pessoais acreditando numa integração futura.
Perguntas sem resposta
O que motivou exatamente o cancelamento massivo da formação?
Que destino foi dado aos jovens treinados, agora fora da estrutura do Estado?
Há monitorização ou acompanhamento deste grupo?
E, sobretudo, existe ligação — mesmo que indireta — entre esta dispensa e o novo padrão de criminalidade em Luanda?
Enquanto o MININT mantém silêncio público sobre as razões concretas da dispensa, especialistas alertam que qualquer grupo de indivíduos com formação militar sem enquadramento social adequado torna-se vulnerável ao recrutamento por redes criminosas.
Por outra: Não há provas que confirmem a participação dos ex-recrutas nos assaltos, mas a coincidência temporal entre a dispensa em massa e o aumento da criminalidade organizada levanta questões que exigem respostas oficiais. A sociedade, por sua vez, fica entre o receio e a desinformação.
Esta investigação continuará a acompanhar o caso e a solicitar esclarecimentos às autoridades competentes.
Em actualização
Jornalista Siona Júnior
