Quarta-feira, Dezembro 10, 2025

CRÔNICA: UM DIA NO BAIRRO PARAÍSO

Mas a grande jóia do dia, a estrela desta crónica, é a "Avenida Mano Chaba".

Por: apostolado
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Se me perguntarem onde passei o dia hoje, eu respondo com a tranquilidade de quem regressa de uma peregrinação espiritual: fui ao Paraíso.

Sim, senhor. Mas não ao Paraíso que consta em Gênesis, com rios de mel, leões vegetarianos e serpentes desempregadas. Fui ao Paraíso do município de Cacuaco… ou será Mulenvos de De Baixo? Talvez Cazenga? Ou quem sabe, pela velocidade das últimas divisões administrativas, o bairro já foi dividido em fatias como bolo de aniversário e cada pedaço do lado direito integrou um município diferente.

Confesso que até hoje não sei — e suspeito que nem os administradores sabem.

Pois bem: o meu dia começou no coração do bairro. “Coração”, aqui, não no sentido anatómico—porque se fosse, aquele coração estaria a precisar de um bypass urgente—mas no sentido geográfico: o centro. E como em todo centro tradicional, há movimento, há ruído, há vida… e há sempre aquele senhor que resolve vender o mesmo produto que todos vendem, no mesmo sítio, no mesmo tamanho e ao mesmo preço.

 

O Paraíso é um bairro de contrastes. E quando digo contrastes, não é a mistura poética que os livros gostam: é o literal.

De um lado, há bandidagem com currículo tão vasto que merecia equivalência universitária; do outro, há estudantes com cadernos tão gastos que parecem veteranos de guerra; e ao meio, o povo trabalhador, que faz o bairro funcionar mesmo quando nada mais funciona.

Mas a grande jóia do dia, a estrela desta crónica, é a “Avenida Mano Chaba”.

 

Sim, porque no Paraíso, até as ruas sabem honrar quem canta para elas. A rua principal — aquela que liga ao Antero Sanitário, ao Cazenga, ao mercado do Kikolo e à Cerámica — ganhou um novo nome: “Avenida Mano Chaba”, em homenagem ao jovem talento musical do bairro, falecido em 2023. Uma subida de nome que muitos ministros ainda esperam.

 

Logo na entrada da avenida, ergue-se um cartaz a anunciar o feito. É impossível passar sem notar: até o vento abranda para ler. E ao longo da estrada, várias casas exibem murais do artista, pintados com aquela dedicação típica do bairro: tinta improvisada, talento genuíno, e a esperança de que um dia os turistas confundam aquilo com um circuito oficial de arte urbana.

 

Cada parede é um capítulo da vida do Mano Chaba: numa ele sorri, noutra ele sonha, noutra ele canta eternamente. É uma forma humilde e grandiosa de dizer: aqui não deixamos morrer quem nos deu alegria.

 

E é por isso que, no meio de toda confusão urbanística, no meio dos buracos que já deviam pagar imposto de terreno, no meio da criatividade musical e da sobrevivência diária, o Paraíso continua a ser… Paraíso.

Não pela paz bíblica, mas pela capacidade humana de transformar a perda em memória e a memória em rua com nome.

 

Ao fim do dia, deixei o bairro com uma certeza:

Se algum dia me perder entre municípios — Cacuaco, Cazenga, Mulenvos, ou qualquer outro que inventarem — que me procurem na Avenida Mano Chaba.

Porque nesse Paraíso, pelo menos, a arte ainda salva alguma coisa.

 

Por: André Kivuandinga, jornalista e Cronista

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