
Há uma estranha inversão de valores que se repete em Angola como um refrão cansado: quem levanta a voz pelos mais frágeis acaba silenciado, intimidado ou empurrado para a margem. Não é o crime que incomoda, mas a denúncia; não é a miséria que perturba, mas quem a expõe.
Nas ruas poeirentas dos bairros periféricos, onde a água chega por favor e a luz por milagre, vivem os invisíveis do sistema. São crianças fora da escola, mães sem emprego, idosos esquecidos. Quando alguém se atreve a transformar essa realidade em palavra, ação ou protesto, surge o aviso: “pare”. E, se não parar, vem a ameaça — subtil ou direta, institucional ou velada.
O Executivo diz agir em nome da ordem, da estabilidade, da segurança nacional. Mas que segurança é essa que teme a solidariedade? Que ordem é essa que se sente ameaçada por cidadãos que pedem hospitais funcionais, escolas dignas e comida no prato? A vulnerabilidade não nasce da crítica; nasce da ausência de políticas eficazes e de escuta sincera.
Há activistas, jornalistas, líderes comunitários e religiosos que não pedem poder, apenas dignidade. No entanto, são tratados como inimigos internos, como se a pobreza fosse um segredo de Estado e a compaixão, um acto subversivo. Em vez de diálogo, opta-se pelo medo; em vez de soluções, pelo silêncio imposto.
Esta crónica não é um ataque, é um espelho. Um país que persegue quem cuida dos seus vulneráveis está, na verdade, a fugir de si mesmo. Porque governar não é calar consciências, mas responder a elas. E enquanto ajudar o próximo for visto como ameaça, a verdadeira fragilidade não estará no povo, mas no poder que teme ser questionado.
Jornalista Siona Júnior