
Nos últimos dias, Angola parecia novela daquelas mexicanas que passam na TPA, só que sem intervalo para publicidade e sem aquela musiquinha dramática. Fomos bombardeados com três episódios que, juntos, dariam um manual completo de como construir uma sociedade doente… e ainda achar que é normal.
Primeiro capítulo: o humorista Cesalty.
O homem, que devia fazer rir, acabou por fazer a polícia chorar… de trabalho. Detido por denúncia da própria esposa, acusando-o de manter relação com a filha. Três anos de novela escondida — três! — quase uma temporada completa de “A Promiscuidade dos Meus Pecados”. A Polícia Nacional confirmou a detenção, e nós, público inocente, ficámos a pensar se estávamos a viver num país ou num episódio de “Black Mirror”.

Depois, para aliviar o espírito (ou piorar), aparece Matias Damásio numa entrevista à SIC. O artista, com aquela calma de quem está a contar como perdeu um chinelo na praia, diz que foi abusado por uma mulher adulta em troca de comida. Ora, se havia comida, havia pagamento. Se havia pagamento, havia negociação. E se havia negociação… meu irmão, isso em angolês chama-se jingolo.
E o detalhe mais curioso? Pela expressão do homem, parecia até estar num momento de nostalgia feliz, como quem diz “naquele dia comi funge e ainda recebi afagos”. Psicologicamente, parecia mais agradecido que traumatizado.

Para completar a trilogia do espanto, surge Maria Borges, a modelo, a denunciar que é vítima de violência doméstica há 10 anos. Dez anos. Uma década inteira de sofrimento silencioso enquanto desfilava para o mundo. A pergunta filosófica aqui é simples: como é que alguém tão brilhante no exterior aguenta tanto escuro no interior?
Juntas essas três histórias, o diagnóstico é infalível: estamos a construir uma sociedade doente, mas que insiste em tomar só paracetamol.
O mal está no osso, mas a gente insiste na pomada.
E, para piorar o quadro clínico, Cesalty — o mesmo acusado pela esposa — aparece no dia seguinte num vídeo com a própria denunciante, os dois a tentarem explicar a novela com uma versão nova, como se fôssemos nós, povo, os fofoqueiros do bairro que inventaram a história.
De repente, parecia que todos nós éramos os culpados da sua detenção.
A Procuradoria Geral da República (PGR), que não ri de brincadeiras, aplicou-lhe termo de residência. Agora, se ele quiser viajar, só com autorização, praticamente virou estudante interno do colégio.
Há brincadeiras que aleijam.
E quando a cabeça não regula, o corpo — e o país todo — é que paga.
Porque se indivíduos supostamente esclarecidos têm comportamentos tão nocivos, então o que esperar do cidadão comum que mal sabe ler as placas da estrada, quanto mais ler a própria consciência?
Que exemplo dá um pai que namora a filha?
Que lição aprende um jovem que, em troca de comida, negocia o próprio corpo?
Que esperança tem uma sociedade onde alguém suporta 10 anos de violência até ganhar coragem?
Enquanto isso, nós observamos tudo como quem vê uma panela no fogo a ferver sem tampa. Sabemos que vai nos entornar. Só não sabemos quando.
Mas, como bons angolanos, ainda conseguimos rir — não porque achamos graça, mas porque já percebemos que o humor é a nossa última defesa antes de enlouquecer com o que o país nos oferece.
No fim do dia, resta-nos repetir o provérbio reinventado dos kotas da praça. Quando a cabeça não regula, o país inteiro anda com gesso.
Por: André Kivuandinga, jornalista e Cronista