Sexta-feira, Outubro 31, 2025

AS EMPRESAS QUE FISCALIZAM AS OBRAS DO EXECUTIVO ANGOLANO SÃO CREDÍVEIS OU AMIGAS DOS EMPREITEIROS DAS OBRAS? É MUITA OBRA DESCARTÁVEL.

Entre os casos mais emblemáticos está o de estradas provinciais reconstruídas há menos de três anos e já em estado avançado de degradação.

Por: apostolado
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Em Angola, a paisagem urbana é marcada por gruas, tapumes e inaugurações frequentes de infraestruturas públicas. Contudo, por trás do aparente dinamismo da construção civil, cresce uma desconfiança entre cidadãos, engenheiros e especialistas: as empresas contratadas para fiscalizar as obras do Executivo são verdadeiramente independentes ou apenas cúmplices silenciosas de empreiteiros e decisores públicos?

 

Nos últimos anos, multiplicaram-se os relatos de obras de curta duração, estradas que se deterioram meses após a inauguração e edifícios públicos com fissuras e infiltrações precoces. Fontes do setor da construção ouvidas pelo jornal Apostolado apontam para um sistema viciado, no qual as empresas fiscalizadoras muitas vezes pertencem aos mesmos grupos empresariais ou círculos de influência que dominam os contratos de empreitada.

“Em muitos casos, o fiscal é indicado pelo próprio empreiteiro ou tem relações comerciais com ele. É como pedir ao aluno para corrigir o próprio exame”, comenta um engenheiro civil que pediu anonimato por receio de represálias.

 

Segundo dados obtidos junto do Ministério das Obras Públicas, Habitação e Ordenamento do Território, mais de 40% dos contratos públicos de fiscalização entre 2018 e 2023 foram adjudicados por ajuste direto — sem concurso público transparente. Especialistas em gestão pública alertam que essa prática cria terreno fértil para conluio, reduzindo a qualidade técnica e aumentando os custos para o Estado.

 

O Tribunal de Contas, em relatórios recentes, identificou “inconsistências técnicas e financeiras” em diversos projetos, apontando para falhas graves de supervisão. Apesar disso, poucas empresas são responsabilizadas. O ciclo repete-se: obras mal executadas, reparações milionárias e a perpetuação de um modelo que beneficia poucos e penaliza o erário público.

Entre os casos mais emblemáticos está o de estradas provinciais reconstruídas há menos de três anos e já em estado avançado de degradação. Populações locais denunciam a má qualidade dos materiais e a ausência de fiscalização séria. “Eles vêm, tiram fotos, fazem relatórios e vão-se embora. Mas a estrada continua a desfazer-se”, lamenta um morador da província do Cuanza Sul.

 

Organizações da sociedade civil exigem transparência nos contratos e publicação das relações societárias entre empreiteiros e empresas fiscalizadoras. “A fiscalização não pode ser uma formalidade, tem de ser um mecanismo de controle efetivo. Caso contrário, continuaremos a gastar milhões em obras descartáveis”, defende a economista e ativista cívica Ana Pires.

 

Enquanto isso, o Executivo promete reforçar os mecanismos de auditoria e revisão contratual, mas a desconfiança pública permanece. Afinal, quem fiscaliza os fiscais?

Jornalista Siona Júnior

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