
A apresentação da Carta de Compromisso, saída do Congresso Nacional da Reconciliação, decorre num ambiente marcado pela presença massiva de vários órgãos de comunicação social e também de convidados, entre leigos, sacerdotes e missionárias. O padre presente para destacar o lançamento comenta que o momento é de grande expectativa. Ele saúda os presentes e afirma que estão a poucos minutos de testemunhar o evento da apresentação da carta comprometida com o resultado do Congresso Nacional da Reconciliação.
Questionado sobre o que se pode esperar do documento em termos de orientações concretas, o padre explica que o texto recolhe toda a experiência vivida no Congresso realizado nos dias 6 e 7 de novembro, apontando caminhos para o futuro. Destaca que a construção da “Nova Angola” exige contribuições concretas, e que este documento representa uma pedra importante nessa edificação. Afirma ainda que a equipa de redação procurou sintetizar e dar coerência a todas as reflexões, testemunhos e experiências compartilhados pelos diversos participantes de várias categorias sociais.
Ele sublinha que as orientações emanam das trocas de experiências, das reflexões acumuladas e da vivência do Congresso. Ressalta que o evento não se limitou aos dias 6 e 7, pois o processo começou desde a sua conceção e prossegue até o dia da apresentação e além dele. Sobre críticas que apontaram o Congresso como um fracasso, o padre responde que desconhece em que sentido se pode considerar fracassado, visto que tudo foi realizado conforme o planeado, seguindo a metodologia prevista. Acrescenta que o Congresso não é um ponto de chegada, mas sim de partida, e que as ações continuarão através da Comissão de Justiça e Paz, que já tem planos concretos a serem implementados imediatamente após a apresentação da carta.
Agradece-se ao Padre Celestino Epalanga, um dos organizadores. Segue-se a preparação para a apresentação da carta, com destaque para a presença do Presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, Dom José Manoel Imbamba, do Bispo da Diocese do Cuito Bié, Dom Sanambo, e do secretário-geral da Universidade Católica de Angola, entre vários convidados, incluindo representantes de partidos políticos.
Inicia-se então a cerimónia. Dom José Manoel Imbamba profere uma bênção e invoca o Espírito Santo antes da composição da mesa, que inclui Dom Vicente Sanombo e o Padre Celestino Epalanga. Começa a apresentação da Carta de Compromissos e das conclusões alcançadas durante o Congresso Nacional da Reconciliação realizado nos dias 6 e 7 de novembro, conduzida pelo Arcebispo D. José Manuel Imbamba.
Ele saúda todos os presentes na sala magna da Universidade Católica e transmite as saudações de D. Zeferino Zeca Martins, Arcebispo do Uíge e Presidente da Comissão de Justiça e Paz, que não pôde estar presente por motivos de força maior. Em seguida, inicia a leitura do texto a ser tornado público.
O Congresso Nacional da Reconciliação foi convocado pela Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, numa perspetiva de memória plena, rigor e responsabilidade para com as gerações futuras, no contexto das celebrações jubilares dos 50 anos de Independência Nacional e do Jubileu da Esperança. Foi também realizado em resposta ao apelo do Papa Bento XVI, expresso na exortação apostólica pós-sinodal Africae Munus, onde encoraja os fiéis católicos e todas as pessoas de boa vontade a comprometerem-se de forma profunda com processos de reconciliação e justiça, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática e pacífica.
O Congresso superou o caráter de um simples encontro eclesiástico ao congregar diversas sensibilidades sociais para um momento de introspeção coletiva e restauração nacional. Foi um profundo exame de consciência, cívico e espiritual, que confrontou a nação com a sua história de dores, conflitos e oportunidades perdidas. Porém, não se limitou a revisitar o passado; adotou uma metodologia de justiça restaurativa centrada em duas perguntas fundamentais: qual a responsabilidade individual ou coletiva no estado atual da nação e qual o compromisso para construir a Angola do futuro?
O lema — “Eis que faço novas todas as coisas” — retirado do livro do Apocalipse, não expressa um otimismo ingênuo, mas uma proposta teológica e nacional: a renovação só é possível mediante cura da memória, reconhecimento das próprias culpas e firme propósito de construir um futuro comum. O Congresso surge, assim, como resposta ao clamor da sociedade para que se passe da indignação à consciência política e social. Diversos setores — religiosos, jornalistas, sociedade civil, autoridades tradicionais, justiça, defesa, segurança, saúde, educação e economia — foram convocados para se sentarem à mesma mesa, não com o objetivo de apontar culpas, mas de assumir responsabilidades e propor mudanças.
Realizado no auditório do Hotel Vitória Garden, em Luanda, nos dias 6 e 7 de novembro de 2025, o Congresso buscou promover um diálogo inclusivo e reforçar a reconciliação verdadeira, apta a curar feridas e a permitir a construção conjunta de caminhos para o desenvolvimento social e económico, com compromissos plenamente assumidos pelos participantes. Contou com cerca de seiscentos participantes presenciais e milhares online, sendo entendido como ponto de partida para um processo de médio e longo prazo de construção de soluções colaborativas para os desafios do país.
Os grupos de trabalho produziram uma grande riqueza de ideias sobre sucessos e falhas da história recente de Angola e apresentaram muitas soluções que serão posteriormente publicadas num livro, juntamente com os instrumentos relevantes do Congresso, servindo de orientação para atores políticos, parlamentares, sociedade civil, academia, profissionais e membros da Igreja. A intenção é promover continuidade, reflexão, crítica e expansão do processo a todo o país, formando um movimento crescente de participação cidadã.
O diagnóstico elaborado pelos congressistas procurou captar a essência da vida nos diversos setores da sociedade, resultando numa consciência coletiva e no reconhecimento das responsabilidades de cada indivíduo ou grupo profissional.
No âmbito religioso, identificaram-se fraquezas como a falta de humanismo no trato com os colaboradores das instituições, especialmente eclesiásticas, com salários baixos, pouca generosidade para com os pobres e fragilidades na gestão de património. Nota-se ainda uma mentalidade excessiva de dependência de terceiros, além da existência de uma cultura supersticiosa que trava a criatividade e a inovação. A formação de sacerdotes e pastores nem sempre tem sido alinhada com as necessidades locais, fragilizando sua atuação. Falta coragem para a correção fraterna e solidariedade ativa, dificultando a partilha. Observa-se também a instrumentalização das instituições religiosas por parte de atores políticos, especialmente em períodos eleitorais, e uma atuação insuficiente no campo litúrgico e comunitário. A dissolução da COIEPA após o fim da guerra representou uma perda significativa para o ecumenismo angolano.
No setor socioeconómico, da educação e da saúde, os efeitos da guerra ainda se fazem sentir. A educação carrega traumas que criaram uma divisão entre “bons e maus”, alimentando hostilidade, bullying político e desconfiança. A seleção de gestores escolares com base em círculos restritos perpetua exclusão e divisão. Após 2002, não se desenvolveu uma consciência moral e cívica suficientemente robusta entre os profissionais da educação. A entrada de pessoas sem formação adequada, a má remuneração e a precariedade estrutural alimentaram práticas corruptas, como a gasosa. Há falta de escolas públicas, superlotação, aulas ao ar livre e ausência de inspeção escolar eficaz.
O sistema de saúde, apesar de consagrado como direito fundamental, permanece frágil e incapaz de oferecer serviços essenciais universais e gratuitos. Falta aposta na saúde preventiva e de proximidade. A formação de profissionais e a expansão de infraestruturas não acompanham o crescimento populacional, maioritariamente jovem. As enfermidades mais mortíferas continuam sendo malária, doenças diarreicas e tuberculose. A malnutrição crônica infantil compromete o desenvolvimento humano. Os investimentos não têm impacto real na vida das populações e a gestão centralizada limita a capacidade local para combater doenças. Muitas pessoas recorrem a meios próprios ou a práticas não recomendadas para cuidar da saúde.
Na sociedade civil observam-se fragilidades, falta de clareza de objetivos, lideranças centralizadoras e suscetíveis de cooptação, fragmentação, dependência financeira externa e limitada articulação interna. O espaço cívico é condicionado pelo medo, restrições legais, perceção de hostilidade do Estado e falta de mecanismos de financiamento nacionais.