
A detenção do agente da Polícia Nacional envolvido na morte do jovem Yuzzi, no Morro Bento, reacende a revolta pública e levanta uma questão incômoda: deve o juiz de garantia libertar o suspeito em nome da presunção de inocência, mesmo quando o país assiste, estarrecido, ao agravamento da violência policial?
A morte de Yuzzi não é apenas mais um caso trágico num país onde a juventude negra e periférica continua exposta à brutalidade policial. É um símbolo de tudo aquilo que falha quando o Estado, que deveria proteger, transforma-se na principal ameaça. A detenção do agente envolvido — medida rara e, por isso mesmo, significativa — deveria marcar o início de um processo exemplar. Mas, como sempre, a dúvida paira: a justiça vai vacilar?
A presunção de inocência é um pilar civilizacional, mas não pode ser usada como escudo para proteger quem carrega uniforme e abusa do poder que lhe foi confiado. Quando um cidadão comum é suspeito de um crime grave, a prisão preventiva costuma ser quase automática. Mas quando o suspeito é um agente do Estado, multiplicam-se os argumentos, as atenuantes e a velha narrativa de que “é preciso esperar pelas investigações”.
A sociedade está cansada dessa seletividade.
O juiz de garantia não deve ser instrumento de impunidade, nem intérprete complacente de princípios jurídicos usados fora de contexto. A liberdade provisória, nestes casos, não é apenas uma decisão técnica — é uma mensagem política, social e moral. Libertar o agente neste momento seria dizer aos cidadãos que a vida de Yuzzi — como a de tantas outras vítimas — vale pouco ou nada. Seria reforçar a percepção de que os autores de violência policial gozam de privilégios negados à população que deveriam servir.
Um agente armado, treinado, com autoridade institucional e envolvido num caso de morte violenta representa um risco claro: risco de interferência nas investigações, risco de intimidação de testemunhas, risco de destruição de provas. E representa, acima de tudo, o risco de reforçar o ciclo de descrença nas instituições de justiça, que já caminham na corda bamba da legitimidade.

A presunção de inocência protege o acusado; a responsabilidade do Estado deve proteger a sociedade. Ambos os princípios podem, e devem, coexistir. Mas em casos de violência policial letal, a balança não pode pender para quem já detém poder e meios para escapar ao escrutínio.
Colocar o agente em liberdade seria cometer um erro histórico, jurídico e moral.
A justiça que faz vista grossa deixa de ser justiça para se tornar cúmplice.
O país exige um processo transparente, firme e exemplar.
Porque Yuzzi já não pode falar.
E o silêncio da justiça, neste caso, seria um grito de impunidade.
Jornalista Siona Júnior