
O hip-hop feito em Angola não seria o mesmo sem a figura de Negro Bué. Numa era em que o rap nacional ainda procurava identidade própria, foi ele quem ousou romper barreiras, erguer voz e abrir caminho para uma geração inteira. O seu primeiro disco — pioneiro e arriscado — transformou-se num marco cultural: um gesto de coragem artística que inspirou muitos dos nomes que hoje lideram as playlists do país.
Com o tempo, Negro Bué deixou de ser apenas rapper para se tornar também produtor, elevando o nível da música urbana angolana. Da sua visão nasceram talentos que encontraram na sua mão guia a porta para o reconhecimento. O seu estúdio, para muitos jovens MCs, era mais do que um espaço de gravação; era um laboratório de descobertas, um centro de lapidação de vozes que hoje fazem parte da espinha dorsal do rap nacional.
Entre as faixas que eternizaram o seu nome, “Só Nice” permanece como uma das mais emblemáticas. Um sucesso estrondoso, ainda hoje lembrado com nostalgia pelos fãs que acompanharam a evolução do movimento hip-hop no país. Essa música não foi apenas um hit: foi uma afirmação cultural, uma prova do talento e da capacidade narrativa de Negro Bué.
Mas, de forma quase abrupta, o artista desapareceu do mercado musical. Um silêncio prolongado tomou o lugar da sua voz firme, dos seus versos densos, da sua energia criativa. E esse silêncio pesa — pesa porque a música angolana perdeu uma referência, pesa porque o rap ficou órfão de uma figura que ainda tinha muito para dar.
Na verdade, Negro Bué devia continuar. Não só pela qualidade que sempre demonstrou, mas pela importância simbólica do seu legado. A sua ausência deixa uma lacuna que nenhum novo artista consegue preencher por completo, porque ele não era apenas parte da história do rap angolano: ele ajudou a construí-la.
Hoje, enquanto novos talentos surgem, seria justo e necessário que o pioneiro que abriu tantas portas voltasse a ocupar o lugar que é seu por direito. O silêncio pode ser poderoso, mas no caso de Negro Bué, a sua voz faria muito mais falta — e diferença — se voltasse a ser ouvida.
Jornalista Siona Júnior









