Se a UNITA ganhar as eleições de 2027, o país inteiro vai acordar com um silêncio estranho. Não aquele silêncio dos domingos preguiçosos, mas um silêncio tenso, cheio de orelhas coladas nos rádios, olhos grudados nas televisões, e dedos nervosos deslizando pelas redes sociais. Haverá quem celebre, quem chore, e quem apenas observe — como sempre.
As ruas de Luanda talvez se encham de bandeiras pretas e vermelhas, não de luto, mas de esperança — esperança de mudança, de justiça, de um novo começo. Os discursos serão inflamados, cheios de promessas de reestruturação, de combate à corrupção, de “refundar a república”, como dizem alguns.
Mas a pergunta real, aquela que se esconde por trás das palavras e dos slogans, será: o que faremos com a mudança quando ela finalmente chegar?
A UNITA ganhar em 2027 seria como virar uma página gasta de um livro que muitos acreditavam já ter fim anunciado. Mas virar a página não apaga o que foi escrito antes. O passado não desaparece com a posse de um novo presidente. Ele fica ali, no canto da sala, como uma sombra que nos observa — lembrando-nos dos erros, dos pactos não cumpridos, das feridas ainda abertas desde Bicesse até à reconciliação.
Se a UNITA ganhar, os fantasmas da guerra vão reaparecer nos discursos dos que perderam, como forma de alerta — ou ameaça. Mas o povo, esse povo calejado, saberá distinguir o medo real do medo fabricado. Porque quem teve de escolher entre comprar pão e pagar a energia, entre adoecer ou faltar ao trabalho, já não se deixa manipular tão facilmente.
As famílias vão discutir à mesa. Nas zungueiras, o assunto será quente. Nos becos e musseques, haverá risos nervosos, apostas, desconfianças. “Será que agora é que vamos ver escolas de verdade? Médicos que não cobram por fora? Estradas sem buracos?” — perguntarão. Mas também haverá quem diga: “Vamos ver se eles são mesmo diferentes ou só vestem outra camisa.”
Porque a maior revolução não está no nome do partido que vence. Está no caráter dos que governam e na coragem dos que vigiam. Está na imprensa que pergunta sem medo, nos tribunais que julgam sem ordens, nos cidadãos que não se calam só porque mudaram os rostos na televisão.
Se a UNITA ganhar as eleições de 2027, o dia seguinte não será mágico. Não haverá milagre. Haverá trabalho duro, desconfiança, resistência — e talvez até sabotagem. Mas também haverá uma oportunidade rara: a de provar que a alternância de poder em Angola não é um fim em si, mas apenas o começo do que ainda temos que construir.
E se não for agora, que essa crônica sirva de aviso: não se trata de quem ganha. Trata-se do que fazemos com a chance de recomeçar.
Jornalista Siona Júnior