Sexta-feira, Setembro 19, 2025

PIO WACUSSANGA: “O PARADIGMA DO MPLA ESTÁ ULTRAPASSADO”

Em entrevista à DW, o padre Jacinto Pio Wacussanga afirma que aumento da pobreza resulta de "medidas incorretas" do Governo. Bispos católicos denunciaram "buracos sociais e institucionais profundos" em Angola.

Por: apostolado
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Angola caminha para os 50 anos de independência, mas continua marcada por pobreza, exclusão e falta de reformas. Reunidos na quarta-feira (17.09), em Viana, durante a Assembleia Plenária da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), os bispos da Igreja Católica denunciaram desigualdades profundas e pediram mudanças urgente.

 

Para refletir sobre estas questões e sobre o papel da Igreja Católica na vida pública de Angola, conversamos com o padre Jacinto Pio Wacussanga, sociólogo e sacerdote católico natural da província da Huíla, para quem o agravamento da situação provém das “medidas impopulares incorretas tomadas pelo Governo de Angola”.

 

DW África: Até que ponto considera que o Governo tem responsabilidade direta nesse agravamento da pobreza?

 

Jacinto Pio Wacussanga: O que levou ao agravamento da situação são as medidas impopulares incorretas tomadas pelo Governo de Angola. São várias medidas. Uma delas, para lhes dar exemplo, é a questão dos combustíveis.

 

Até já perdemos a conta quantas vezes o Governo aumentou, sem preparar o mínimo de condições e providências, os preços dos combustíveis. Isso piorou as vulnerabilidades que já existiam. Por exemplo, todo mundo sabe que no centro-sul de Angola tem havido estiagens recorrentes que têm aumentado a fome, a pobreza, a malnutrição e as pessoas agora estão a alcançar níveis de vulnerabilidade crônica.

 

DW África: Os bispos católicos reunidos ontem apelaram a reformas profundas no Estado. Acredita que as autoridades angolanas têm vontade política real de implementar essas mudanças?

 

JPW: O paradigma de governação do MPLA ficou ultrapassado e as pessoas exigem realmente outro tipo de mudanças. E o MPLA não está preparado nem para deixar o poder, nem para fazer mudanças estruturais.

 

Mudanças estruturais: combater a corrupção vai ser autocombater-se, isso vai autodestruir o partido. Então o MPLA como está, sobretudo a liderança atual, o MPLA de João Lourenço, não está preparado para fazer essas mudanças. Está a lutar para manter o poder a todo custo.

 

Protestos contra o aumento dos preços dos combustíveis em AngolaProtestos contra o aumento dos preços dos combustíveis em Angola

Protestos contra o aumento dos preços dos combustíveis em AngolaFoto: Manuel Luamba/DW

DW África: Nos tumultos de julho, a polícia foi acusada de uso exagerado e desproporcional da força. A igreja partilha dessa leitura e como avalia a resposta do Governo a esses protestos?

 

JPW: O executivo atual perdeu a capacidade de fazer leituras sérias e honestas da situação. Então, como é que eu avalio? A leitura que eles fazem é superficial. Sempre arranjam culpados que nada tem a ver com a situação. Culparam a UNITA, os inimigos externos, culparam todo mundo, menos o próprio culpado, que é o próprio regime.

 

DW África: Na visão do senhor, o país falhou em garantir dignidade e justiça social ao povo durante estas cinco décadas?

 

JPW: De 1975 até 1992, o ano em que ocorreram algumas transições – como a transição do modelo centralizado para o descentralizado, de monopartidarismo para multipartidarismo. Depois de retomar-se a guerra de 2002, Angola não caminhou com as chamadas reformas, tanto estruturais como profundas, infelizmente. Deveria ter havido reforma econômica, reforma do sistema judiciário, descentralização do poder, a iniciativa privada, o reforço da sociedade civil, a reconciliação nacional profunda, incluindo a catástrofe nacional. Nós carregamos traumas dos tempos de guerra, não passamos pela cura coletiva. Isso não ocorreu.

 

Deveria ter havido uma amnistia de outro caráter, não esta que ocorreu, e isso não aconteceu. O poder nunca foi para o povo.

 

DW África: A Igreja Católica tem enorme influência em Angola. Estará disposta a assumir um papel mais ativo e crítico na cobrança de responsabilidades às autoridades, para além de apelos morais?

 

A Igreja vai continuar a pugnar pelo espaço público com todas as suas energias. Só não pode assumir o lugar dos partidos políticos. Isso é próprio para os partidos políticos. Ms vai apelando para que haja mais aberturas.

 

Tal como em 1991, 1992, foi apelando para que houvesse multipartidarismo. E a Igreja também tem que ter a coragem de tranquilizar o MPLA, porque estando na oposição não vai perder nada, só vai ganhar. Vai aprender na oposição, vai aprender a fiscalizar os que estiverem no poder e vai aprender a sugerir que se faça melhor naquilo que falharam quando estiveram no poder.

Fonte: DW / Jornalista Tainã Mansani

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