Quinta-feira, Julho 10, 2025

JURISTA BARTOLOMEU MILTON, ESCREVEU: O REGIME DE ROTATIVIDADE DA PRESIDÊNCIA DA UNIÃO AFRICANA: UMA ANÁLISE JURÍDICO-INSTITUCIONAL COM FOCO NA ELEIÇÃO DE ANGOLA.

Este artigo analisa o regime de rotatividade da presidência da União Africana (UA), com enfoque na eleição de Angola para o mandato de 2025.

Por: apostolado
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Este artigo analisa o regime de rotatividade da presidência da União Africana (UA), com enfoque na eleição de Angola para o mandato de 2025.

 

A investigação adopta uma abordagem jurídico-institucional, destacando os dispositivos normativos que regulam o processo de rotatividade, os critérios de elegibilidade e os elementos que sustentaram a candidatura de Angola.

 

À luz das controvérsias políticas recentes, é feita uma análise crítica sobre os limites entre o discurso político e os parâmetros da legalidade continental.

 

Conclui-se que a presidência angolana representa uma oportunidade estratégica para a renovação diplomática de África e para a afirmação de soluções endógenas em fóruns globais.

 

Palavras-chave: União Africana; diplomacia africana; Angola; rotatividade presidencial; integração continental.

 

  1. INTRODUÇÃO

A presidência da União Africana (UA) é uma função de destaque na estrutura continental africana, representando um espaço de articulação política, representação diplomática e coordenação temática.

 

 

Em 2025, Angola foi eleita para exercer esta função, conforme previsto no sistema de rotatividade aprovado pela organização. No entanto, o contexto político angolano foi recentemente marcado pelas declarações do líder da UNITA, o Eng.º Adalberto Costa Júnior, que “insinuou” terem existido irregularidades no processo de eleição.

 

Tais declarações foram proferidas na IIIª Edição do debate “Economia 100 Makas”, promovido pelo jornalista Carlos Rosado de Carvalho, e associadas a alegadas tentativas de viabilização de um terceiro mandato presidencial por via de suborno institucional. A Presidência da República reagiu prontamente, qualificando tais alegações como “falsas e antipatrióticas”.

 

Diante desse cenário, este artigo propõe uma análise técnico-jurídica sobre o processo de rotatividade presidencial da UA, evidenciando o enquadramento legal e institucional que sustentou a eleição de Angola, bem como os desafios políticos que acompanham as lideranças continentais.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA ROTATIVIDADE

 

O regime de rotatividade da presidência da UA encontra respaldo em normas internas da referida organização, a saber:

 

  1. Acta Constitutiva da UA (2000): consagra os princípios da igualdade entre os Estados-membros (Art.º 4.º) e prevê a exclusão de Estados em situação de ruptura constitucional (Art.º 30.º);
  2. Regulamento Interno da Assembleia da UA: estabelece que a presidência é anual e rotativa entre as cinco regiões do continente (Art.º 22.º, n.º 1);
  3. Deliberações da Assembleia da UA: consolidam a prática de eleição consensual com base no equilíbrio regional e mérito diplomático.

 

A presidência é conferida a um Chefe de Estado em exercício, que represente um Estado-membro regular e que não esteja envolvido em disputas institucionais que comprometam a continuidade do mandato.

 

 

 

  1. PROCESSO DE SELEÇÃO

 

O processo de seleção é composto por etapas normativas e diplomáticas, a saber:

 

Proposta regional: a região elegível propõe um candidato por consenso entre os seus Estados-membros;

 

Ratificação pela Assembleia da UA: exige maioria qualificada de dois terços (2/3) dos votos dos Estados-membros com direito a voto (Art.º 9.º da Acta Constitutiva);

 

Mandato presidencial: o presidente eleito assume funções por um período de doze (12) meses, não renovável, coordenando agendas prioritárias e representando a UA em fóruns multilaterais.

 

É prática comum que o processo de indicação envolva negociação diplomática regional, diálogo intergovernamental e análise temática da agenda continental.

 

 

 

  1. O CASO ANGOLANO

 

Formalmente, era a vez da África Austral assumir a presidência da União Africana (UA) em 2025, conforme o sistema de rotatividade geográfica estabelecido pela organização. Esse sistema segue uma sequência regional baseada na ordem alfabética inglesa das cinco regiões africanas: Central, Oriental, Norte, Austral e Ocidental.

 

Sequência recente da presidência da UA:

 

▪ 2022–2023: Senegal (África Ocidental)

▪ 2023–2024: Comores (África Oriental)

▪ 2024–2025: Mauritânia (África do Norte)

▪ 2025–2026: Angola (África Austral)

 

Portanto, Angola assumiu a presidência dentro da lógica rotativa prevista, representando a África Austral. No entanto, como é prática comum na UA, houve também negociação diplomática dentro da região para definir qual país assumiria a liderança.

 

Processo de consenso regional:

Angola foi escolhida por consenso regional, sem quebra das regras de rotatividade. A negociação existiu, como sempre ocorre, mas dentro dos parâmetros legais e diplomáticos da UA.

 

O processo obedeceu às seguintes etapas:

 

▪ A SADC reuniu-se em Luanda, em agosto de 2023, durante a 43.ª Sessão Ordinária da Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo;

 

▪ A candidatura de Angola foi formalmente endossada pela Decisão 28 dessa cimeira, após recomendação da 25.ª Reunião do Comité Ministerial de Política, Defesa e Segurança, realizada em Windhoek;

 

▪ O processo respeitou os critérios estatutários da UA, incluindo estabilidade política, ausência de sanções e capacidade institucional.

 

Motivos que sustentaram a eleição de Angola:

 

  1. Elegibilidade regional: era a vez da África Austral indicar o presidente, e Angola recebeu apoio da SADC e dos Estados lusófonos;

 

  1. Protagonismo diplomático: Angola esteve envolvida em mediações de conflitos na República Democrática do Congo (RDC) e na República Centro-Africana (RCA), reforçando a sua posição como Estado pacificador e estabilizador;

 

  1. Agenda temática: o tema da presidência — “Justiça para os Africanos e Pessoas de Ascendência Africana por via das Reparações” — alinhou-se com a narrativa histórica e diplomática angolana;

 

  1. Conformidade institucional: Angola apresentava estabilidade política, não realizava eleições em 2025 e cumpria integralmente os requisitos constitucionais.

 

A eleição foi oficializada na 43.ª Sessão da SADC, com apoio unânime, e ratificada pela Assembleia da UA, em fevereiro de 2025.

 

 

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Como notas conclusivas, podemos afirmar com relativa segurança que a eleição de Angola à presidência da UA resultou da propositura de uma candidatura baseada na legitimidade normativa, articulação diplomática e consenso regional — em contraposição às insinuações de que houve negociatas envolvendo o pagamento de somas em dinheiro.

 

A presidência da UA não se limita a funções protocolares — trata-se de um espaço de liderança política, formulação de agendas continentais e influência em debates globais.

 

Angola, ao assumir este mandato, posiciona-se como um ator relevante na requalificação da diplomacia africana, na afirmação de soluções endógenas e na valorização da justiça histórica como vetor de reconstrução da dignidade africana.

 

A presidência angolana representa, por conseguinte, uma oportunidade de fortalecer a centralidade de África na política internacional contemporânea.

 

REFERÊNCIAS

▪ UNIÃO AFRICANA. Acta Constitutiva da União Africana. Lomé: UA, 2000. Disponível em: https://au.int/constitutive-act

▪ UNIÃO AFRICANA. Rules of Procedure of the Assembly. Addis Abeba: UA, versão atualizada

▪ SADC. Summit Communiqués (2024–2025). Luanda/Pretória

▪ LOPES, Carlos. Pan-Africanismo e Governança Regional: Uma Perspectiva Jurídica. Revista Africana de Estudos Constitucionais, 2022

▪ NASCIMENTO, António. Angola e a Política Externa Africana: Trajetórias Contemporâneas. Luanda: Editora UAN, 2023

▪ CARVALHO, Carlos Rosado de. Economia 100 Makas – IIIª Edição [Debate]. Luanda, 2025

Fonte: CLUB.K

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